domingo, 10 de novembro de 2013

A QUESTÃO DOS GRAFEMAS VOCÁLICOS E CONSONÂNTICOS NO ACORDO ORTOGRÁFICO[1]


 

 

          Anne Dayana Marques do Nascimento[2]
                                                                                           
RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar, explorar e comentar as alterações feitas pelo Novo Acordo Ortográfico no tocante à questão dos grafemas vocálicos e consonantais. Realizando dessa forma, discussões acerca do tema a partir de fragmentos retirados no Acordo para embasar este estudo; verificando não apenas as mudanças, como também as motivações, as implicações e as consequências desse fato para o uso lingüístico do Português para sua comunidade falante.

Palavras-chave: Grafemas, Acordo Ortográfico, Vogais e Consoantes.


1 INTRODUÇÃO

    

O novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa teve como objetivo (assim como aconteceu ao espanhol) unificar a escrita entre todos os países que têm o Português como idioma oficial, facilitando as relações políticas, culturais, sociais e econômicas entre eles e trazendo mais prestígio internacional para esses países; além de conferir a Língua Portuguesa status como um das maiores línguas do mundo.
São cerca de 240 milhões de falantes em cerca de dez países: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Macau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, além dos antigos territórios da Índia Portuguesa (Goa, Damão, Diu e Dadrá e Nagar-Aveli), - é o quinto idioma mais falado do mundo-, mas a escrita era diferente em cada um desses lugares. A mudança afetou somente a escrita e não a pronúncia, porém pouca coisa foi alterada no Brasil e em Portugal, que foram as bases para a elaboração do Acordo; no caso brasileiro, menos de um por cento do total de palavras existentes.
Essas modificações, como já se esperava, afetaram as letras e suas modalidades com as quais se constroem inúmeros vocábulos, indo de encontro às especificidades dessa parte, focando as minúcias dos grafemas vocálicos e consonantais, e por seguinte a escrita de algumas palavras. O Acordo tem bases que tratam do uso das vogais, consoantes e suas tipologias, nas mais diversas situações de regras ortográficas, de grafia e acentuação.
Ocorreram mudanças no uso das chamadas vogais tônicas, átonas e na acentuação das mesmas quando grafadas I e U, nas vogais nasalizadas e ainda nos ditongos; abrangendo também as palavras com sequências consonânticas e as consoantes, dígrafos consonantais e grafemas consonantais que provocam homofonia em certas palavras.
Devido à grande importância desses aspetos linguísticos e de seu caráter fundamental para a estruturação e concretização da língua, as circunstâncias como se deram essas alterações, o direcionamento seguido e as consequências disso, serão analisadas e discutidas de maneira a se entender melhor e a contribuir positivamente com essas questões.

2 DOS GRAFEMAS CONSONÂNTICOS


O Acordo privilegia a escrita dos vocábulos sob dois prismas: pronúncia e etimologia (ou mesmo em aspectos tradicionalistas) das palavras, tendo como parâmetro ora o primeiro, ora o segundo para determinar a forma gráfica dos vocábulos, o uso de notações léxicas e os casos de emprego de determinados grafemas vocálicos e consonantais.
A seguir, algumas considerações discutidas e propostas na Reforma Ortográfica sobre a representação dos grafemas consonânticos:
A Base I que trata do alfabeto e dos nomes próprios estrangeiros e seus derivados faz as seguintes observações: as letras K, W e Y serão restituídas de forma oficial ao alfabeto que terá vinte e seis letras, ou seja, mais três grafemas consonânticos, incorporados por força dos estrangeirismos ao alfabeto da Língua Portuguesa, e ainda exemplifica as suas situações de uso, como nos nomes originários de outras línguas e seus derivados, ex.: Darwin – darwinismo, Shakespeare - shakespeariano; usados também para o registro de siglas, símbolos e unidades de medida de níveis internacionais, como já acontecia, ex.: K – potássio, KG – quilograma e KG – quilômetro. Menciona também o emprego dos dígrafos RR, SS, CH, LH, NH, GU e QU, além da cedilha, como possibilidades a mais de uso, de certa forma como a compensar a insuficiência das letras do alfabeto; mas nesse caso a ausência ou não menção de outros dígrafos da língua chama atenção, como SC, e XC; fato que pode provocar confusões ou dúvidas, visto que não aparecem no texto da Reforma em nenhum momento.
Nesse ponto o Acordo não traz novidades, já que as tradições e convenções faziam com que letras de outros idiomas já fossem utilizadas amplamente, principalmente em nomes próprios de pessoas, lugares, obras, estabelecimentos e serviços de todos os tipos, por conta da Globalização e dos hábitos estrangeiros presentes na nossa sociedade, assim como ocorre lá fora; mantendo no Português quaisquer combinações gráficas ou sinais diacríticos não pertencentes à língua  que estejam presentes nesses nomes estrangeiros; isso de fato deve ocorrer, visto que um Acordo Ortográfico, não pode ter a pretensão de mudar ou influenciar, mesmo que dentro de um único território, os vocábulos estrangeiros, ainda mais se tratando de nomes próprios.
Essa base explica ainda vários casos no uso das consoantes ou sequências delas, como os dígrafos finais hebraicos CH, PH e TH, muito comum nos textos bíblicos ou em nomes que têm essa origem, nesses casos serão conservados, ex.: Baruch, Loth, Ziph, porém se forem mudos na pronúncia serão eliminados de vez, como: José – Joseph; em certos casos esses dígrafos são adaptados pela pronúncia e substituídos por uma adição vocálica correspondente, ex.: Judite – Judith. E as consoantes finais B, C, D, G e H são mantidas, mesmo mudas nas formas já consagradas da tradição bíblica, ex.: Jacob, David, que também poderão ser usados sem esses grafemas. Nessa questão integram-se também os grafemas D, ex.: Madrid e T, Calicut que se encontram nas mesmas condições.
Percebe-se que muitos fatores externos influenciam na formação e discussão das normas de um acordo ortográfico internacional, questões muitas vezes delicadas, que exigem adaptação ou mesmo o surgimento das já conhecidas exceções, para as quais todos devem estar atentos.
A Base II traz as regras para a consoante H inicial e final e afirma que o uso do H leva em consideração, como não podia deixar de ser, a questão etimológica, como em: hélice e humor ou por convenções já estabelecidas, como monossíbalos: Hum! Hã?. Porém, estabelece alguns critérios; o H inicial será suprimido quando esta supressão já estiver consagrada pelo uso, mesmo com etimologia, ex.: erva e não herva, mesmo em contraste com as formas derivadas e eruditas: herbáceo, herboso, etc; e quando na formação de palavras, por via composição, passa a interior e o elemento em figura se aglutina ao procedente, ex.: desarmonia, desumano, lobisomem (estas formas já estavam presentes no português brasileiro, sendo aderido pelo lusitano); o H inicial será mantido quando a palavra composta pertencer a um elemento ligado ao anterior por meio de hífen, ex.: anti-higiênico, pré-história; quanto ao H final será mantido quando usado em interjeições, ex.: Ah! Oh!
Dessa forma, pode-se perceber que as mudanças no uso do H não afetaram muito aos brasileiros, e que apesar da etimologia prevalecer na maioria dos casos, a língua vai sendo alterada pelos seus falantes conforme as necessidades, tendências, as variadas situações de concretização da mesma e os neologismos que surgem; adequando-se e modificando-se com o passar do tempo em alguns aspectos, através de processos de formação de palavras, supressão e acréscimo de letras e diacríticos, fato que interfere para a organização das chamadas normas ortográficas.
A Base III trata da homofonia presentes em algumas consoantes e afirma que o seu emprego se baseia pela historicidade das palavras e que nem sempre há a possibilidade de fácil diferenciação dos seguintes grafemas consonânticos homófonos: distinção gráfica entre CH e X, ex.: ficha – flecha faixa - feixe; G (fricativa palatal) e J, ex.: algema – gengiva hoje - jibóia; entre as letras S, SS, C, Ç e X (quando sibilantes surdas), ex.: mansão –obsessão – cereal - Monção - sintaxe; S de fim de sílaba (inicial e interior) e X e Z com o mesmo valor fônico, ex.: escusar – explicar – inexperto (nesse caso duas distinções são possíveis, em final de sílaba X = S e nos advérbios terminados em – mente, com o valor idêntico ao do S; entre S final de palavra e X e Z com o mesmo valor fônico, ex.: Dinis – giz e por último entre letras interiores S, X e Z, ex.: represa – inexato – baliza.
Percebe-se que nesses casos a Reforma privilegia as raízes etimológicas e a questão histórica das palavras, que apontam como algumas delas são escritas sem que se produzam alterações na grafia das mesmas por muito tempo. O emprego de várias letras para o mesmo som é bastante comum na Língua Portuguesa, no entanto não existe uma regra específica que aponte quando usar um grafema ou outro em determinado vocábulo dentro da Ortografia, fato que não mudou com a Reforma; o que ele especifica e aponta são as posições nos vocábulos e os valores classificacionais conforme o ponto e modo de articulação que provocam homofonia de certas consoantes com outras ou dessas com dígrafos.
Um questionamento pode ser levantado nesta base do Acordo, se a etimologia está sendo levada em consideração, como lidar com os casos em que a grafia entre o Português brasileiro e o lusitano for diferente, por conta das convenções; como se pode notar, a Reforma não distingue esse fato e sendo criada para unificar a Língua, em determinadas palavras isso não vai ocorrer, já que essas questões não foram esclarecidas pela mesma, ex.: berinjela (Portugal)/berinjela (Brasil); Singapura (Portugal)/ Cingapura (Brasil).
A Base IV trata das sequências consonânticas e afirma que a letra C (oclusiva velar) das sequências interiores CC (este último com valor de sibilante) e CT, bem como a letra P das sequências PC (c com valor de sibilante), e PT; em algumas palavras estarão mantidas, em outras eliminadas. Eis os casos: mantidos nas palavras onde são proferidos pela pronúncia, ex.: convicção e rapto; eliminados nos casos em que na são utilizados na pronúncia, ex.: exato (exacto em Portugal) e Egito (Egipto em Portugal); uso facultativo quando pronunciados na forma culta ou quando oscilarem entre prolação e emudecimento, ex.: aspecto/aspeto e ceptro/cetro; em palavras com sequências MPC, MPÇ e MPT elimina-se o P não pronunciado quando o M passa a N, valendo-se do fato de que só escreve M diante das letras P e B, ex.: assumpção/assunção e sumptuoso/suntuoso. Já no caso da consoante B da sequência BD, em súbdito; de BT de subtil e seus derivados; do G de GD das palavras amígdala, amigdalite, entre outras; do M da sequencia MN como em indemniza, omnipotente, etc; e por fim o T de TM como em aritmético e aritmética, estes utilizados também no Português brasileiro; se conservam ou se eliminam quando proferidos numa pronúncia culta ou oscilarem entre a prolação e o emudecimento.
Essas mudanças foram mais pertinentes e voltadas para Portugal, que conservavam na escrita todas essas sequências de um Português mais arcaico, no caso brasileiro isso já havia sido superado em Reformas passadas.
Como foi visto nesses casos a reforma privilegiou muito a influência da pronúncia na grafia dos vocábulos, mantendo, extinguindo ou aceitando mais de uma forma correta as sequências consonantais, tornando esses vocábulos mais enxutos, facilitando a compreensão e corrigindo o excesso de grafemas desnecessários, sequer contemplados pela pronúncia, o que tornava a Ortografia ainda mais difícil.

 

3 DOS GRAFEMAS VOCÁLICOS


Abaixo se tem algumas considerações discutidas e propostas na Reforma Ortográfica sobre os grafemas vocálicos, destacando cada um conforme sua classificação:
A Base V trata das vogais átonas, que são pronunciadas com menos intensidade numa palavra ou sílaba em relação a outras, presentes nestas mesmas palavras ou sílabas. E afirma que o emprego do E e do I, bem como do O e do U em sílaba átona regula-se por razões etimológicas e por particularidades no histórico das palavras, que por sinal são bastante variadas, e até indica a consulta de dicionários para sanar duvidas sobre quando usar E ao invés de I, e O ao invés de U. Essas formas gráficas aparecem e conservadas pelo Acordo, existindo homofonias vocálicas em alguns dos casos; ex. da relação E/I: campeão, quase, lêndea, Filipe, Dinis, ex. da relação O/U: nódoa, mágoa, goela, Manuel.
Todavia, apesar das variações, o Acordo apresenta pistas ou mesmo regras sistematizadas para o uso das vogais átonas; escreve-se com E nas seguintes condições: antes da sílaba tónica, os substantivos e adjetivos derivados de substantivos terminados em –elo ou –eia, ex.: aldeão, aldeola e aldeota – de aldeia; antes de vogal ou ditongo da sílaba tônica, os derivados de palavras que terminam em E acentuado (podendo representar um antigo hiato), ex.: coreano- de Coréia; escreve-se com I nas seguintes condições: antes da sílaba tónica, os adjetivos e substantivos derivados em que entram os sufixos mistos de formação vernácula –iano e –iense, resultados de combinações –ano e –ense, ex.: acriano, duniense; uniformizam-se com as terminações –io e –ia (átonas), em vez de –eo e –ea, os substantivos que constituem variações, obtidas por ampliação de outros substantivos terminados em vogal, ex.: hástia –haste.
Com relação aos verbos, o Acordo coloca que podem ser facilmente distintas as formas -ear de –iar, seja pela formação ou conjugação, seguindo as regras descritas acima, já com relação aos verbos - oar e uar, essas formas terão sempre O na sílaba acentuada, ex.: abençoar – abençoo, exceção: acentuar – acentuo.
A Base VI contempla as vogais que recebem sinais de nasalização na pronúncia; a representação das vogais nasais seguem os preceitos de localização na palavra, a presença de elementos diacríticos ou com relação ao timbre; afirmando que quando uma vogal nasal ocorre em fim de palavra ou no final de um elemento seguindo de hífen, e ainda que se essa vogal é de timbre a; por m (com qualquer outro timbre) e termina a palavra; e por n, (de timbre diferente de a) estando seguida de s, representa-se a nasalidade da mesma por um sinal gráfico de nasalização, o conhecido til (~). Dessa forma o acordo expõe e impõe claramente as condições para a representação gráfica do til nas vogais nasalizadas pela pronúncia, ex.: Grã-Bretanha, lã, órfã. Afirma também que os vocábulos em Ã, transmitem o sinal de nasalização aos seus advérbios derivados, terminados em – mente, assim como os derivados em que entre sufixos iniciados por z, ex.: irmãmente, manhãzinha.
A Base VII contempla os ditongos e suas classificações e afirma que os ditongos orais representados por I ou por U no segundo elemento. São eles: AI, EI, ÉI, UI, AU, EU, ÉU, IU, OU, admitindo-se excepcionalmente AE (pronunciado âi ou ai) de Caetano e AO (pronunciado âu e au) de artigos ou pronomes demonstrativos. Com relação aos ditongos nasais, estabelece que são de dois tipos, os representados por til e semivogal, e os representados por vogal seguida da consoante nasal m; os primeiros são basicamente quatro – ÃE, - ÃI , - ÃE e ÕE, e os segundos são –AM e – EM.
Nessas últimas bases o Acordo parece especificar bem as condições de uso das vogais e ditongos e as alterações feitas, tratando das regras e exceções, que devem ser apreendidas por todos, pois aqui as mudanças foram marcantes para o Brasil, em se tratando da própria escrita dentro da norma culta e da acentuação gráfica.

                                        4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista a importância e papel do Novo Acordo Ortográfico, espera-se que ele; apesar de suas controvérsias, contradições e das lacunas deixadas, segundo alguns estudiosos e pesquisadores da língua; possa trazer os resultados esperados, cumprindo com a sua finalidade maior de unificar a escrita do Português.
Ao final desse estudo, foi possível concluir que muito pouco, diante da imensidão de vocábulos foi alterado, que muitas dessas alterações já estavam sendo colocadas em prática pelos usuários a um determinado tempo, e ainda que as mudanças mais profundas se deram em Portugal e a maioria dos países falantes do idioma sequer foram levados em consideração, nesses lugares as mudanças foram profundas e de mais difícil adaptação.
Vogais e consoantes foram bem focadas pelo Acordo, mas elas em si não foram tão afetadas, alguns antigos conceitos perduraram, comprovando que diante de Reformas nem tudo na Língua pode ser modificado por meio de determinações.

                                              5 REFERÊNCIAS
Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, 1990.



[1]  Proposta para o artigo científico apresentado como forma de avaliação parcial da disciplina de Ortografia e o Ensino do Português, do curso de pós-graduação de Língua Portuguesa e Literatura, professor: Vicente Martins.
[2]  Aluna do Curso de Pós-Graduação em Língua Portuguesa e Literatura da Universidade Estadual Vale do Acaraú - UVA.

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