domingo, 10 de novembro de 2013

Desafios, problemas para o ensino da Ortografia na educação básica1



Margarida Pontes Timbó2


RESUMO:
Este artigo apresenta algumas informações sobre questões relativas ao ensino de ortografia da língua portuguesa. O trabalho é resultado de pesquisas teórico-bibliográficas referentes à temática em estudo, e ainda, procura refletir algumas posturas didático-metodológicas na abordagem do ensino-aprendizado da ortografia. Neste sentido, o trabalho está dividido em três partes que contribuem para o entendimento do leitor. A primeira parte corresponde aos conceitos operacionais, um tanto raso, relativos à leitura, ortografia e ensino. A segunda parte do trabalho versa sobre as reflexões produzidas a partir de procedimentos didático-metodológicos fundamentados em renomados pesquisadores que atuam na área da língua portuguesa. Para finalizar, são apresentadas as considerações finais que expõem os argumentos levantados sobre a temática do presente trabalho. 

PALAVRAS-CHAVE: Ensino. Ortografia. Língua Portuguesa.


1. CONCEITOS OPERACIONAIS

            O presente artigo visa uma breve explanação sobre os múltiplos desafios vivenciados pelo professor de língua materna, especialmente, o que corresponde à educação básica e o aprendizado da ortografia.
            Nesta perspectiva, encontram-se certas dificuldades que surgem com o sistema de ensino, inclusive, a abordagem didática na qual, muitas vezes, não facilita o aprendizado de língua materna no período de alfabetização.
            O método tradicional de ensino em que o professor de língua portuguesa se colocava como o único detentor do conhecimento acerca do uso da referida língua foi em grande parte responsável pelo surgimento da “aversão”, por parte do aluno, ao estudo e a própria língua portuguesa. Assim, a criança acabou distanciando-se d[1]o estudo da língua estendendo-se à leitura e a escrita. É nesta fase escolar que a língua portuguesa corre o sério risco de se tornar o grande “vilão” do ensino de português, pois a criança associa, equivocadamente, que saber gramática é essencial para se falar “correto”, e ainda, que o uso da ortografia “correta”, certamente, demonstra o grau de cultura que se adquire na vida escolar. Vale frisar que cabe ao professor desenvolver esquemas imagéticos na criança que favoreçam o aprendizado da língua materna, não como algo extremamente difícil e complicado, mas sim, estabelecendo vínculos entre a leitura e a escrita, de modo que estes possibilitem o contato usual da língua em suas várias situações de fala. Isto é, o estudante, desde pequeno, deve compreender que estudar a língua materna é fator essencial para se conhecer a estrutura e as variações da mesma no contexto social. Segundo COLOMER e CAMPS (2002), a leitura é mais do que apenas um processo psicológico, inclui-se entre os processos gerais de representação humana da realidade adotando a perspectiva teórica de um modelo psicolingüístico-cognitivo. A ortografia por sua vez, consiste na grafia correta das palavras, assim o ensino deixa de se apoiar na simples memorização de conteúdos para se firmar como o norteador metodológico para uma aprendizagem significativa.
            Para tanto, a ortografia no âmbito escolar, deve atuar numa perspectiva cognitiva e neurológica, ou seja, o professor necessita compreender que o ato de conhecer uma nova palavra faz com que a criança interaja com o objeto de conhecimento. Desta forma, quando uma criança erra a grafia de uma palavra, acaba infligindo normas gramaticais ou lingüísticas estabelecidas pela classe dominante. No entanto, seu envolvimento com a palavra e a referência desta, permite que a criança desenvolva habilidades no que se refere ao léxico da palavra e ao aspecto neuro-linguístico. De acordo com Martins (2006, p.24):

 [...] a ortografia é a capacidade de o aluno recordar palavras corretas ou formas lingüísticas socialmente aceitas. Quando a criança erra, na verdade, erra quanto à ortografia, desviando-se do modelo estabelecido pela gramática escolar ou pela comunidade lingüística em ascensão social.

            Neste sentido, a ortografia está intimamente ligada a questões que envolvem a variação lingüística, logo, o estudante tende a fazer naturalmente a associação entre a fala e a escrita. Em conformidade a esta assertiva encontra-se o pensamento de KATO (1990, p.119) quando salienta que, “o papel da consciência lingüística ocorre desde o nível de aquisição ortográfica, quando a criança passa a perceber que a escrita representa a fala, até a leitura e a escritura do adulto, quando já se pode detectar um controle metacognitivo das ações.” A partir deste estágio o professor de língua portuguesa deve atuar de forma contundente a fim de auxiliar no processo de alfabetização do aluno, bem como na aprendizagem ortográfica, pois neste momento o trabalho consciente do profissional contribuirá para a aprendizagem significativa da língua em estudo.
            Portanto, o ensino da ortografia parece ainda seguir alguns dos princípios já postulados para aquisição da fala. Deste modo, os desvios encontrados na leitura e na escrita podem ser explicados como sendo fatores decorrentes do uso automático que se faz das mesmas estratégias usadas na fala. Então, a tarefa do professor de língua materna compreende uma série de procedimentos didáticos que abrangem o ensino de português numa perspectiva favorável a habilidade de compreensão de discursos e de reflexão sobre os mesmos.

2. REFLEXÕES SOBRE OS PROCEDIMENTOS DIDÁTICO-METODOLÓGICOS PARA O ENSINO DE ORTOGRAFIA

            Diante da abordagem que se realizou no início desde trabalho, faz-se relevante refletir sobre alguns procedimentos didáticos que possivelmente favorecem a metodologia do professor de português no que tange o ensino de ortografia na alfabetização.
            Embora tenha sido criada uma relação intrínseca entre dificuldade de leitura e problemas ortográficos, estudos apontam que é a ortografia quem primeiramente influência a leitura. Nas palavras de Martins (2006, p.24), “há uma relação muito estreita entre dificuldade de leitura e dificuldade de ortografia, entre dislexia e disortografia. Mas ao contrário do que se possa imaginar, é a ortografia que mais ajuda na leitura.” Inter-relacionar a língua escrita e a língua oral narrativa consiste numa abordagem relevante por parte do docente, pois este fator indica que o aprendizado da ortografia se dá em duas direções, uma voltada para o gosto pela leitura, e outra direcionada ao aprendizado da língua. Entretanto, o professor precisa está consciente de que a ortografia é o primeiro passo para desenvolver o hábito leitor, haja vista que a criança aprende primeiro a decodificar os sinais gráficos, para depois, literalmente, praticar o ato de leitura.
            Conforme já foi ressaltado até aqui, as atividades metodológicas envolvendo a alfabetização, e ainda, o manejo com o ensino de ortografia constituem alguns dos problemas da educação básica, tendo em vista que muitos professores desconhecem teorias e procedimentos didático-metodológicos para executar uma abordagem eficaz ao ensino de ortografia.
Para muitos educadores o que causa problemas mais sérios na alfabetização e na pós-alfabetização é a distância entre a fala do aprendiz e a norma escrita usada nos textos escolares. Uma maneira de dar uma solução fácil para o problema seria efetuar uma reforma ortográfica (KATO, 1990, p.122).

            Em contrapartida a este pensamento, se reconhece que seria bastante complicado estipular uma reforma ortográfica neste sentido, pois ela não atenderia a todos os dialetos existentes numa determinada língua. Algumas crianças são perfeitamente capazes de ler palavras, embora não sejam capazes de escrevê-las, isto é, a leitura e a escrita nesta perspectiva se apóiam em estratégias diferentes. Qual seria, então, a postura do docente para desenvolver o aprendizado no aluno que se encontra nestas condições? Se fosse possível encontrar respostas prontas, o ensino de língua portuguesa teria satisfeito todas as pesquisas científicas referentes à leitura e ortografia já realizadas.
            Diante de uma importante reforma ortográfica que ora vivenciam os países de língua portuguesa, todos os conteúdos abordados em longos anos de ensino por parte dos docentes merecem ser visualizados com maior cautela, a fim de que os desafios que surgem com a mudança favoreçam o ensino de ortografia a partir da educação básica. Embora muitos professores critiquem a nova reforma ortográfica da língua portuguesa, é certo que eles necessitam conhecê-la para atuar sobre e com ela. Assim sendo, acaba-se modificando certos conteúdos já aprendidos, com o objetivo precípuo de construir o conhecimento ortográfico nos estudantes.
            As dificuldades no ensino-aprendizado que correspondem à ortografia do português sempre existiram, pois numa língua dinâmica como esta é extremamente natural que surjam transformações, inclusive, de caráter político-social. Segundo Fiorin (2006, p.36), “temos sempre a impressão de que um idioma é uma entidade homogênea. No entanto, um fato inerente a todas as línguas do mundo é que elas variam no espaço, no tempo, de um grupo social para o outro, de uma situação social para outra.”
            Assim, as várias formas de falar acabam indicando, na escrita, alguns dos erros ortográficos produzidos por um dado falante de uma língua, já que as letras e os grafemas são os representantes dos fonemas e sons usados nas diversas situações de fala. Deste modo, quando um falante escreve de maneira inadequada uma dada palavra, certamente ele apresenta uma fala defeituosa que é transferida para a escrita. Neste sentido, um dos problemas relativos à ortografia, diz respeito ao modo como as crianças com déficit léxico/ortográfico apresentam dificuldades em relacionar os grafemas e os fonemas, isto é, a devida associação entre fonemas e sons. Cabe ao professor saber diagnosticar quando fatos como este acontecem, e obviamente, ajudar o aluno neste processo de aprendizado ortográfico.
            Como o objetivo deste trabalho não é apontar soluções, mas tecer reflexões teóricas sobre o ensino de ortografia na educação básica segue abaixo divididos em tópicos alguns dos recursos didático-metodológicos, que podem ser utilizados pelos professores para atuar diante da ortografia da língua portuguesa.

2.1 O uso orientado do dicionário

            Este recurso pedagógico consiste num dos muitos procedimentos que estabelecem uma ação e reflexão por parte do aluno, pois ele constrói o conhecimento lingüístico e ortográfico na medida em que interage com ele. A procura de palavras desconhecidas no dicionário favorece e amplia o léxico da língua, bem como cria o hábito de conhecer novas palavras e saber em qual contexto ideal deve utilizá-la. Segundo Martins (2006, p.25):

[...] quando seu filho, sobrinho ou aluno, escrever uma palavra errada, peça-lhe que se sente à mesa ou à carteira, abra o dicionário e procure (inicialmente com sua ajuda, professor ou pais) a palavra da forma como a escreveu. Claro, como está errada, a palavra, na forma como foi grafada, não será encontrada. Em seguida, peça-lhe que capture a palavra e, quando encontrá-la copie-a da forma como a encontrou no dicionário, ou seja, corretamente, observando em que parte fez permuta ou omitiu letras ou signos diacríticos.

            Tal procedimento descrito pelo professor-pesquisador referido acima consiste em desenvolver a curiosidade lexical do estudante diante das palavras grafadas de maneira inadequadas. É pertinente que esta coleta ao dicionário ocorra sob a orientação do professor ou outro mediador que tenha o domínio e instrução para fazê-lo. Nesta direção, a pesquisa ortográfica tornar-se-á um aprendizado significativo na vida do estudante, e ainda, favorecerá a habilidade leitora, escrita e ortográfica. Assim sendo, “indo ao dicionário para capturar a grafia correta, o aluno fortalecerá seu léxico ortográfico e semântico” (op. cit.).
            Em suma, as atividades de pesquisas ortográficas realizadas pelos alunos com a devida orientação do professor podem estabelecer elos importantes para o conhecimento ortográfico da língua. Vale salientar ainda que atividades deste tipo devem ser estimuladas desde a educação básica, de modo que o professor crie oportunidades para facilitar a compreensão dos estudantes sobre a dinâmica que envolve as línguas vivas.

2.2 Autocorreção ortográfica a partir dos ditados ou treinos ortográficos

            Fator bastante comum por parte dos professores da educação básica, o fato de utilizarem ditados ou treino ortográficos, quase sempre, a título de teste da ortografia dos alunos. Entretanto, este recurso didático é indevidamente utilizado quando ele apenas fica registrado no papel e não requer do aluno uma reflexão diante dos erros cometidos.
            Nada mais pertinente que desenvolver nos alunos justificativas possíveis para os erros grafados, isto é, por que determinado aluno grafa “caza” em vês de “casa”? Na verdade, são questões que merecem reflexões tanto por parte dos professores (que tem de correr com o conteúdo curricular), quanto dos alunos, a fim de se entender a língua portuguesa e suas múltiplas formas de realizações.
            O uso do formulário ortográfico ou de gramáticas normativas são eficazes neste procedimento, pois viabiliza e legitima com rigor a grafia estipulada pela ortografia da língua. A existência de um glossário de palavras ou mesmo o “tradicional” caderno de vocabulário produzido pelos alunos serve como estímulo-reforço para o aprendizado ortográfico. À medida que se criam oportunidades para articular leitura e escrita, grafemas e fonemas, constroem-se elementos que facilitam o envolvimento do estudante com as palavras da sua língua.
            Neste ínterim, é tarefa do professor, está sempre atento para os erros ortográficos dos alunos, haja vista que muitos apresentam falta de consciência fonológica, déficit de memória, enfim, fatores que impossibilitam um bom desenvolvimento ortográfico e que podem se agravar por toda a vida escolar.

2.3 O uso das palavras cruzadas

            As atividades que envolvem palavras cruzadas podem ser utilizadas como outro procedimento didático-metodológico, cujo objetivo consiste em ensinar através de uma espécie de jogo ortográfico. Além da perspectiva lúdica atribuída neste tipo de atividade, pode-se estabelecer uma relação íntima com a memória de longo prazo, estimulando a produção escrita e contribuindo para o desenvolvimento neuro-linguístico.
            Para Martins (2006), o jogo de palavras cruzadas é bastante eficaz porque deve ser feito a partir das palavras que apresentem alterações ortográficas no ditado realizado pelo professor ou orientador desta atividade. Ou seja, o jogo ortográfico permite uma interação com a grafia correta do vocábulo de acordo com a percepção do estudante da mesma, a fim de que não se cometa o erro ortográfico anterior.

2.4 Atividades de formação de palavras

            Estas atividades didáticas permitem que o aluno descubra a morfologia de uma determinada palavra, podendo ainda, conhecer a história ou a origem das palavras com mais alterações ortográficas apresentadas no ditado ortográfico. Segundo Martins (2006) esta atividade pode ser facilitada com a possibilidade dos alunos criarem neologismos, observando prefixos e sufixos e seus respectivos valores semânticos na ortografia da língua portuguesa.
            Na verdade, estas atividades pretendem despertar nos professores e conseqüentemente nos alunos, o interesse pela ortografia das palavras de língua portuguesa a fim de que se possam desenvolver novas perspectivas para o ensino da ortografia na atualidade, haja vista as novas reformas ortográficas, que de certo modo, tendem a causar uma transformação no ensino de ortografia, e ainda, a repulsa por parte dos estudantes, já que se mudam as regras, isto é, aprendem-se novas regras.
            Diante disso, as atividades lúdicas direcionadas ao ensino de ortografia procuram facilitar as questões relativas à ortografia existente nas gramáticas da língua. Assim sendo, atuam como recursos didático-metodológicos positivos para o ensino-aprendizado ortográfico.

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

            As informações presentes neste trabalho partem de estudos realizados por renomados pesquisadores que entendem que ensinar ortografia é muito mais do que ensinar gramática aos alunos. Torna-se absolutamente necessário que ocorram mudanças na abordagem didático-metodológica do ensino de ortografia, especialmente, na educação básica. Partir de procedimentos didáticos que resgatam a ludicidade nas formas de interação entre teoria e prática certamente, equivale a um recurso relevante por parte do profissional da educação, mais especialmente, aquele que trabalha com o ensino da ortografia, visto que é a partir desta que se desenvolve o letramento do aluno.
            Este texto visou elucidar algumas questões que se escondem nos currículos ou nos livros didáticos, e que infelizmente, tornam o manejo entre ortografia e leitura empecilhos que dificultam a compreensão leitora. Um dado aluno pode, obviamente, falar e grafar corretamente uma determinada palavra, no entanto, esta mesma palavra inserida num texto pode ser motivo para uma silabada ou outro valor lexical que lhe é atribuída pelo estudante. Enfim, são questões complexas, mas nas quais, exigem do profissional uma devida articulação responsável, visto o comprometimento com o aprendizado dos estudantes, especialmente, na fase escolar.
            Portanto, os problemas relativos ao ensino de ortografia, versam sob vários prismas, nos quais seriam demasiadamente longos elencar neste trabalho. Em contrapartida, privilegiam-se aqui as possíveis reflexões que favorecem o ensino-aprendizado da ortografia na fase escolar, pois este é o foco do professor de língua materna responsável pelo conhecimento significativo.

4. REFERÊNCIAS

COLOMER, Teresa e CAMPS, Anna. Ensinar a ler, ensinar a compreender. Tradução de Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2002. pp. 59-88 e 120-169.
FIORIN, José Luiz. O Teorema de Pascoal. IN: Revista Língua Portuguesa. Ano I, nº 9, 2006.
KATO, Mary A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística. São Paulo: Ática, 1990. pp.98-138.
MARTINS, Vicente. Como ensinar ortografia sem palmatória. IN: Revista Linha Direta. Ano 9, nº 96, março de 2006.
           


   
            
 



1Texto elaborado a partir das Normas da ABNT para a disciplina Ortografia e o Ensino de Português.
2 Estudante do Curso de Língua Portuguesa e Literatura da Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA.

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