Margarida Pontes Timbó2
RESUMO:
Este artigo apresenta algumas
informações sobre questões relativas ao ensino de ortografia da língua
portuguesa. O trabalho é resultado de pesquisas teórico-bibliográficas
referentes à temática em estudo, e ainda, procura refletir algumas posturas didático-metodológicas
na abordagem do ensino-aprendizado da ortografia. Neste sentido, o trabalho
está dividido em três partes que contribuem para o entendimento do leitor. A
primeira parte corresponde aos conceitos operacionais, um tanto raso, relativos
à leitura, ortografia e ensino. A segunda parte do trabalho versa sobre as
reflexões produzidas a partir de procedimentos didático-metodológicos
fundamentados em renomados pesquisadores que atuam na área da língua
portuguesa. Para finalizar, são apresentadas as considerações finais que expõem
os argumentos levantados sobre a temática do presente trabalho.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino. Ortografia. Língua Portuguesa.
1. CONCEITOS OPERACIONAIS
O
presente artigo visa uma breve explanação sobre os múltiplos desafios
vivenciados pelo professor de língua materna, especialmente, o que corresponde
à educação básica e o aprendizado da ortografia.
Nesta
perspectiva, encontram-se certas dificuldades que surgem com o sistema de
ensino, inclusive, a abordagem didática na qual, muitas vezes, não facilita o
aprendizado de língua materna no período de alfabetização.
O
método tradicional de ensino em que o professor de língua portuguesa se
colocava como o único detentor do conhecimento acerca do uso da referida língua
foi em grande parte responsável pelo surgimento da “aversão”, por parte do
aluno, ao estudo e a própria língua portuguesa. Assim, a criança acabou distanciando-se
d[1]o
estudo da língua estendendo-se à leitura e a escrita. É nesta fase escolar que
a língua portuguesa corre o sério risco de se tornar o grande “vilão” do ensino
de português, pois a criança associa, equivocadamente, que saber gramática é
essencial para se falar “correto”, e ainda, que o uso da ortografia “correta”,
certamente, demonstra o grau de cultura que se adquire na vida escolar. Vale
frisar que cabe ao professor desenvolver esquemas imagéticos na criança que
favoreçam o aprendizado da língua materna, não como algo extremamente difícil e
complicado, mas sim, estabelecendo vínculos entre a leitura e a escrita, de
modo que estes possibilitem o contato usual da língua em suas várias situações
de fala. Isto é, o estudante, desde pequeno, deve compreender que estudar a
língua materna é fator essencial para se conhecer a estrutura e as variações da
mesma no contexto social. Segundo COLOMER e CAMPS (2002), a leitura é mais do
que apenas um processo psicológico, inclui-se entre os processos gerais de
representação humana da realidade adotando a perspectiva teórica de um modelo
psicolingüístico-cognitivo. A ortografia por sua vez, consiste na grafia
correta das palavras, assim o ensino deixa de se apoiar na simples memorização
de conteúdos para se firmar como o norteador metodológico para uma aprendizagem
significativa.
Para
tanto, a ortografia no âmbito escolar, deve atuar numa perspectiva cognitiva e
neurológica, ou seja, o professor necessita compreender que o ato de conhecer
uma nova palavra faz com que a criança interaja com o objeto de conhecimento. Desta
forma, quando uma criança erra a grafia de uma palavra, acaba infligindo normas
gramaticais ou lingüísticas estabelecidas pela classe dominante. No entanto,
seu envolvimento com a palavra e a referência desta, permite que a criança
desenvolva habilidades no que se refere ao léxico da palavra e ao aspecto
neuro-linguístico. De acordo com Martins (2006, p.24):
[...] a ortografia é a capacidade de o aluno
recordar palavras corretas ou formas lingüísticas socialmente aceitas. Quando a
criança erra, na verdade, erra quanto à ortografia, desviando-se do modelo
estabelecido pela gramática escolar ou pela comunidade lingüística em ascensão
social.
Neste
sentido, a ortografia está intimamente ligada a questões que envolvem a
variação lingüística, logo, o estudante tende a fazer naturalmente a associação
entre a fala e a escrita. Em conformidade a esta assertiva encontra-se o
pensamento de KATO (1990, p.119) quando salienta que, “o papel da consciência
lingüística ocorre desde o nível de aquisição ortográfica, quando a criança
passa a perceber que a escrita representa a fala, até a leitura e a escritura
do adulto, quando já se pode detectar um controle metacognitivo das ações.” A
partir deste estágio o professor de língua portuguesa deve atuar de forma
contundente a fim de auxiliar no processo de alfabetização do aluno, bem como
na aprendizagem ortográfica, pois neste momento o trabalho consciente do
profissional contribuirá para a aprendizagem significativa da língua em estudo.
Portanto,
o ensino da ortografia parece ainda seguir alguns dos princípios já postulados
para aquisição da fala. Deste modo, os desvios encontrados na leitura e na
escrita podem ser explicados como sendo fatores decorrentes do uso automático
que se faz das mesmas estratégias usadas na fala. Então, a tarefa do professor
de língua materna compreende uma série de procedimentos didáticos que abrangem
o ensino de português numa perspectiva favorável a habilidade de compreensão de
discursos e de reflexão sobre os mesmos.
2.
REFLEXÕES SOBRE OS PROCEDIMENTOS DIDÁTICO-METODOLÓGICOS PARA O ENSINO DE
ORTOGRAFIA
Diante
da abordagem que se realizou no início desde trabalho, faz-se relevante
refletir sobre alguns procedimentos didáticos que possivelmente favorecem a
metodologia do professor de português no que tange o ensino de ortografia na
alfabetização.
Embora
tenha sido criada uma relação intrínseca entre dificuldade de leitura e
problemas ortográficos, estudos apontam que é a ortografia quem primeiramente
influência a leitura. Nas palavras de Martins (2006, p.24), “há uma relação
muito estreita entre dificuldade de leitura e dificuldade de ortografia, entre
dislexia e disortografia. Mas ao contrário do que se possa imaginar, é a
ortografia que mais ajuda na leitura.” Inter-relacionar a língua escrita e a língua
oral narrativa consiste numa abordagem relevante por parte do docente, pois
este fator indica que o aprendizado da ortografia se dá em duas direções, uma
voltada para o gosto pela leitura, e outra direcionada ao aprendizado da
língua. Entretanto, o professor precisa está consciente de que a ortografia é o
primeiro passo para desenvolver o hábito leitor, haja vista que a criança
aprende primeiro a decodificar os sinais gráficos, para depois, literalmente, praticar
o ato de leitura.
Conforme
já foi ressaltado até aqui, as atividades metodológicas envolvendo a
alfabetização, e ainda, o manejo com o ensino de ortografia constituem alguns
dos problemas da educação básica, tendo em vista que muitos professores
desconhecem teorias e procedimentos didático-metodológicos para executar uma
abordagem eficaz ao ensino de ortografia.
Para muitos educadores o que
causa problemas mais sérios na alfabetização e na pós-alfabetização é a
distância entre a fala do aprendiz e a norma escrita usada nos textos
escolares. Uma maneira de dar uma solução fácil para o problema seria efetuar
uma reforma ortográfica (KATO, 1990, p.122).
Em
contrapartida a este pensamento, se reconhece que seria bastante complicado
estipular uma reforma ortográfica neste sentido, pois ela não atenderia a todos
os dialetos existentes numa determinada língua. Algumas crianças são
perfeitamente capazes de ler palavras, embora não sejam capazes de escrevê-las,
isto é, a leitura e a escrita nesta perspectiva se apóiam em estratégias
diferentes. Qual seria, então, a postura do docente para desenvolver o aprendizado
no aluno que se encontra nestas condições? Se fosse possível encontrar
respostas prontas, o ensino de língua portuguesa teria satisfeito todas as
pesquisas científicas referentes à leitura e ortografia já realizadas.
Diante
de uma importante reforma ortográfica que ora vivenciam os países de língua
portuguesa, todos os conteúdos abordados em longos anos de ensino por parte dos
docentes merecem ser visualizados com maior cautela, a fim de que os desafios
que surgem com a mudança favoreçam o ensino de ortografia a partir da educação
básica. Embora muitos professores critiquem a nova reforma ortográfica da
língua portuguesa, é certo que eles necessitam conhecê-la para atuar sobre e com
ela. Assim sendo, acaba-se modificando certos conteúdos já aprendidos, com o
objetivo precípuo de construir o conhecimento ortográfico nos estudantes.
As
dificuldades no ensino-aprendizado que correspondem à ortografia do português
sempre existiram, pois numa língua dinâmica como esta é extremamente natural
que surjam transformações, inclusive, de caráter político-social. Segundo
Fiorin (2006, p.36), “temos sempre a impressão de que um idioma é uma entidade
homogênea. No entanto, um fato inerente a todas as línguas do mundo é que elas
variam no espaço, no tempo, de um grupo social para o outro, de uma situação
social para outra.”
Assim,
as várias formas de falar acabam indicando, na escrita, alguns dos erros
ortográficos produzidos por um dado falante de uma língua, já que as letras e
os grafemas são os representantes dos fonemas e sons usados nas diversas
situações de fala. Deste modo, quando um falante escreve de maneira inadequada
uma dada palavra, certamente ele apresenta uma fala defeituosa que é transferida
para a escrita. Neste sentido, um dos problemas relativos à ortografia, diz
respeito ao modo como as crianças com déficit léxico/ortográfico apresentam
dificuldades em relacionar os grafemas e os fonemas, isto é, a devida
associação entre fonemas e sons. Cabe ao professor saber diagnosticar quando
fatos como este acontecem, e obviamente, ajudar o aluno neste processo de
aprendizado ortográfico.
Como
o objetivo deste trabalho não é apontar soluções, mas tecer reflexões teóricas
sobre o ensino de ortografia na educação básica segue abaixo divididos em
tópicos alguns dos recursos didático-metodológicos, que podem ser utilizados
pelos professores para atuar diante da ortografia da língua portuguesa.
2.1 O uso orientado do dicionário
Este
recurso pedagógico consiste num dos muitos procedimentos que estabelecem uma
ação e reflexão por parte do aluno, pois ele constrói o conhecimento
lingüístico e ortográfico na medida em que interage com ele. A procura de
palavras desconhecidas no dicionário favorece e amplia o léxico da língua, bem
como cria o hábito de conhecer novas palavras e saber em qual contexto ideal
deve utilizá-la. Segundo Martins (2006, p.25):
[...] quando seu filho,
sobrinho ou aluno, escrever uma palavra errada, peça-lhe que se sente à mesa ou
à carteira, abra o dicionário e procure (inicialmente com sua ajuda, professor
ou pais) a palavra da forma como a escreveu. Claro, como está errada, a
palavra, na forma como foi grafada, não será encontrada. Em seguida, peça-lhe
que capture a palavra e, quando encontrá-la copie-a da forma como a encontrou
no dicionário, ou seja, corretamente, observando em que parte fez permuta ou
omitiu letras ou signos diacríticos.
Tal
procedimento descrito pelo professor-pesquisador referido acima consiste em desenvolver
a curiosidade lexical do estudante diante das palavras grafadas de maneira
inadequadas. É pertinente que esta coleta ao dicionário ocorra sob a orientação
do professor ou outro mediador que tenha o domínio e instrução para fazê-lo.
Nesta direção, a pesquisa ortográfica tornar-se-á um aprendizado significativo
na vida do estudante, e ainda, favorecerá a habilidade leitora, escrita e
ortográfica. Assim sendo, “indo ao dicionário para capturar a grafia correta, o
aluno fortalecerá seu léxico ortográfico e semântico” (op. cit.).
Em
suma, as atividades de pesquisas ortográficas realizadas pelos alunos com a
devida orientação do professor podem estabelecer elos importantes para o
conhecimento ortográfico da língua. Vale salientar ainda que atividades deste
tipo devem ser estimuladas desde a educação básica, de modo que o professor
crie oportunidades para facilitar a compreensão dos estudantes sobre a dinâmica
que envolve as línguas vivas.
2.2 Autocorreção ortográfica a partir
dos ditados ou treinos ortográficos
Fator
bastante comum por parte dos professores da educação básica, o fato de utilizarem
ditados ou treino ortográficos, quase sempre, a título de teste da ortografia
dos alunos. Entretanto, este recurso didático é indevidamente utilizado quando
ele apenas fica registrado no papel e não requer do aluno uma reflexão diante
dos erros cometidos.
Nada
mais pertinente que desenvolver nos alunos justificativas possíveis para os
erros grafados, isto é, por que determinado aluno grafa “caza” em vês de
“casa”? Na verdade, são questões que merecem reflexões tanto por parte dos
professores (que tem de correr com o conteúdo curricular), quanto dos alunos, a
fim de se entender a língua portuguesa e suas múltiplas formas de realizações.
O
uso do formulário ortográfico ou de gramáticas normativas são eficazes neste
procedimento, pois viabiliza e legitima com rigor a grafia estipulada pela
ortografia da língua. A existência de um glossário de palavras ou mesmo o
“tradicional” caderno de vocabulário produzido pelos alunos serve como
estímulo-reforço para o aprendizado ortográfico. À medida que se criam
oportunidades para articular leitura e escrita, grafemas e fonemas,
constroem-se elementos que facilitam o envolvimento do estudante com as
palavras da sua língua.
Neste
ínterim, é tarefa do professor, está sempre atento para os erros ortográficos
dos alunos, haja vista que muitos apresentam falta de consciência fonológica,
déficit de memória, enfim, fatores que impossibilitam um bom desenvolvimento
ortográfico e que podem se agravar por toda a vida escolar.
2.3 O uso das palavras cruzadas
As
atividades que envolvem palavras cruzadas podem ser utilizadas como outro
procedimento didático-metodológico, cujo objetivo consiste em ensinar através
de uma espécie de jogo ortográfico. Além da perspectiva lúdica atribuída neste
tipo de atividade, pode-se estabelecer uma relação íntima com a memória de
longo prazo, estimulando a produção escrita e contribuindo para o
desenvolvimento neuro-linguístico.
Para
Martins (2006), o jogo de palavras cruzadas é bastante eficaz porque deve ser
feito a partir das palavras que apresentem alterações ortográficas no ditado
realizado pelo professor ou orientador desta atividade. Ou seja, o jogo
ortográfico permite uma interação com a grafia correta do vocábulo de acordo
com a percepção do estudante da mesma, a fim de que não se cometa o erro
ortográfico anterior.
2.4 Atividades de formação de palavras
Estas
atividades didáticas permitem que o aluno descubra a morfologia de uma
determinada palavra, podendo ainda, conhecer a história ou a origem das
palavras com mais alterações ortográficas apresentadas no ditado ortográfico.
Segundo Martins (2006) esta atividade pode ser facilitada com a possibilidade dos
alunos criarem neologismos, observando prefixos e sufixos e seus respectivos
valores semânticos na ortografia da língua portuguesa.
Na
verdade, estas atividades pretendem despertar nos professores e
conseqüentemente nos alunos, o interesse pela ortografia das palavras de língua
portuguesa a fim de que se possam desenvolver novas perspectivas para o ensino
da ortografia na atualidade, haja vista as novas reformas ortográficas, que de
certo modo, tendem a causar uma transformação no ensino de ortografia, e ainda,
a repulsa por parte dos estudantes, já que se mudam as regras, isto é,
aprendem-se novas regras.
Diante
disso, as atividades lúdicas direcionadas ao ensino de ortografia procuram
facilitar as questões relativas à ortografia existente nas gramáticas da
língua. Assim sendo, atuam como recursos didático-metodológicos positivos para o
ensino-aprendizado ortográfico.
3.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As
informações presentes neste trabalho partem de estudos realizados por renomados
pesquisadores que entendem que ensinar ortografia é muito mais do que ensinar
gramática aos alunos. Torna-se absolutamente necessário que ocorram mudanças na
abordagem didático-metodológica do ensino de ortografia, especialmente, na
educação básica. Partir de procedimentos didáticos que resgatam a ludicidade
nas formas de interação entre teoria e prática certamente, equivale a um
recurso relevante por parte do profissional da educação, mais especialmente,
aquele que trabalha com o ensino da ortografia, visto que é a partir desta que se
desenvolve o letramento do aluno.
Este
texto visou elucidar algumas questões que se escondem nos currículos ou nos
livros didáticos, e que infelizmente, tornam o manejo entre ortografia e
leitura empecilhos que dificultam a compreensão leitora. Um dado aluno pode,
obviamente, falar e grafar corretamente uma determinada palavra, no entanto,
esta mesma palavra inserida num texto pode ser motivo para uma silabada ou
outro valor lexical que lhe é atribuída pelo estudante. Enfim, são questões
complexas, mas nas quais, exigem do profissional uma devida articulação
responsável, visto o comprometimento com o aprendizado dos estudantes,
especialmente, na fase escolar.
Portanto,
os problemas relativos ao ensino de ortografia, versam sob vários prismas, nos
quais seriam demasiadamente longos elencar neste trabalho. Em contrapartida,
privilegiam-se aqui as possíveis reflexões que favorecem o ensino-aprendizado
da ortografia na fase escolar, pois este é o foco do professor de língua
materna responsável pelo conhecimento significativo.
4.
REFERÊNCIAS
COLOMER, Teresa e CAMPS, Anna. Ensinar a ler, ensinar a compreender.
Tradução de Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2002. pp. 59-88 e 120-169.
FIORIN, José Luiz. O Teorema de Pascoal.
IN: Revista Língua Portuguesa. Ano I,
nº 9, 2006.
KATO, Mary A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística. São Paulo:
Ática, 1990. pp.98-138.
MARTINS, Vicente. Como ensinar
ortografia sem palmatória. IN: Revista Linha
Direta. Ano 9, nº 96, março de 2006.
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