domingo, 10 de novembro de 2013

A QUESTÃO DOS GRAFEMAS VOCÁLICOS E CONSONÂNTICOS NO ACORDO ORTOGRÁFICO




Gleiciane Marques de Farias

Desde o período de formação das Línguas, as sociedades têm tentado tornar a escrita cada vez mais homogênea e comum àquela comunidade ortográfica. Para tanto foram sendo formulados, durante toda a história da escrita, acordos ortográficos, todos com o objetivo de tentar unificar a escrita das palavras, mesmo que estes usuários da língua estejam em pontos distantes do globo terrestre. Mesmo contra a vontade da maioria dos gramáticos, lingüistas e da comunidade em geral, temos que receber estas reformas na língua e utilizá-las em nosso cotidiano principalmente no que diz respeito língua escrita.Citamos como exemplo a mudança que ocorreu com o adjetivo gentílico “acreano” (aquele que nasce no estado do Acre) com o acordo ortográfico de 1990 passou a ser escrito “acriano”, esta alteração causou diversas contradições e até um estado de revolta por parte da comunidade .Os nativos dessa região alegam que “acriano, soa esquisito. Somos acreanos há mais de cem anos, quando decidimos que não éramos bolivianos, e sim brasileiros e conseguimos a independência. A mudança mexe com as nossas raízes históricas e culturais”, diz a deputada federal Perpétua Almeida(PCdoB AC), que lidera o movimento para tentar evitar a mudança. A Academia Acreana de Letras terá de apresentar recurso à Academia Brasileira de Letras (ABL). A ABL diz considerar positivas as manifestações como esta do Acre porque estimula o debate sobre questões relacionadas a Língua. Segundo a assessoria da Academia, “nunca houve no País uma discussão tão rica e profícua.” Antes do acordo se usava como escrita padrão acriano ou acreano, era então facultativo, a partir do acordo de 1990 apenas a segunda forma será considerada aceita.

 “Dá para compreender o fenômeno morfológico que ocorre com a palavra Acre. A sílaba tônica é A-cre e, dessa forma, por ser átono o “e” de Acre, não permanece no radical da palavra derivada, havendo vogal de ligação –i- para acomodar o radical Acr- ao sufixo –ano: Acriano. O fenômeno morfológico que determina o gentílico acriano não levou em conta que o uso consagra a forma” (DINIZ,2009)

O filólogo Evanildo Bechara, titular da Academia Brasileira , titular da Academia Brasileira de Letras, diz que “Apesar DAE respeitar nossa resistência cultural, ‘acreano’ com ‘e’ é um erro de história da Língua, uma espécie de mentira morfológica.” Toda essa discussão só nos leva a pensar como uma questão lingüística mexe com todo um povo, até mesmo com aqueles que se dizem alheios. Estas reformas na língua não têm faltado na historia das principais línguas civilizadas. Percorramos algumas como o Espanhol e o Francês:

Espanhol. “ A ortografia do Espanhol medieval é uma descrição fidedigna da língua, tal como ela era falada nos círculos culturais de Toledo por volta de 1275. Essa representação gráfica começou a ser defeituosa pelos fins do século XV... [O gramático] Nebrija [séculos XV e XVI] reafirmou o principio fonético de que a língua de deve escrever como se pronuncia. Por esta época, os humanistas tinham começado a insistir na etimologia... Nos séculos XVI e XVII, tendo-se  produzido mudanças consideráveis de pronúncia, a ortografia espanhola apresentava diversas anomalias, o que levou a Academia da Língua a começar a adotar um controle oficial da Língua no século XVIII” (ENTWISTLE,1974.p14)
Francês. A ortografia do Francês tem variado ao longo dos séculos, quase sempre por saltos bruscos. No século XVI, a escola de Ronsard levou a grande maioria dos escritores a adotar uma ortografia reformada, despojada das numerosas letras mudas inúteis. Foi nesse século, no entanto, que Francisco I decretou a célebre regra da concordância do particípio, por imitação do Italiano (regra, aliás, cuja eliminação está na mira dos reformadores atuais). A primeira edição do dicionário da Academia, no século XVII, sob a influência de Corneille, introduziu novas reformas. No século seguinte, a edição de 1740 do mesmo dicionário dava ortografia nova a nada menos de 2000 palavras das 3000 que o compunham. A ortografia atual do Francês fixou-se na forma atual por volta de 1830. A norma foi fixada na 6ª edição do Dicionário da Academia, de 1836. Desde o princípio deste século, porém, já em três ocasiões se iniciaram movimentos de reformas ortográficas: em 1901, em 1965 e em 1988. Em 1901, a reforma foi patrocinada por escritores como Anatole France, Georges Leygues e Ferdinand Brunot e teve um apoio de tal forma amplo que o Ministério da Instrução chegou a publicar uma portaria com as mudanças propostas. No entanto, esta portaria acabou por não ser aplicada, devido à campanha contra a reforma feita pela imprensa. Em 1965, uma comissão presidida por M. Beslais, ex-Diretor do Ensino Primário, apresentou um relatório com nova proposta de reforma. Nela, defendiam-se transformações do tipo. théatre -> téatre /pharmacie -> farmacie, etc. Este relatório não teve seguimento, embora em 1975 uma nova portaria determinasse mudanças ortográficas menos ambiciosas. Esta portaria teve a sorte da do princípio do século, isto é, o total esquecimento. Apesar de aparentemente continuarem em vigor, ninguém as cumpre. O debate recomeçou em fins de 1988, desencadeado por uma sondagem na revista do Sindicato Nacional dos Professores e foi animado por numerosas tomadas de posição e publicação de artigos e livros. Dentre as tomadas de posição mais relevantes note-se a do chamado Manifesto dos dez linguistas, publicado em "Le Monde" de 07/02/1989, que defendia a necessidade de uma reforma, e a publicação em fins de 1989 de três livros sobre o assunto ("Le livre de l'orthographe", de Bernard Pivot, "Les délires de l'orthographe", de Nina Catach, e "Que vive l'ortografe!", de Jacques Leconte e Philippe Cibois). O assunto foi pelo Governo julgado suficientemente importante para justificar a nomeação, por decreto de 02.06.89, do Conseil supérieur de la langue française (CSLF), com o objetivo de "retificar" a ortografia. Em fins de 1989, o Governo encarregou o CLSF de se pronunciar sobre um certo número de pontos concretos. Ao fim de uma dezena de reuniões, conseguiu-se um acordo, de que participaram a Bélgica, a Suíça e o Canadá, acordo que foi aprovado pela Academia Francesa. Em 19.06.90, foi apresentado o relatório do CSLF, a que se seguiram ainda negociações informais entre a Academia e os serviços do Primeiro Ministro. Finalmente, em Outubro passado, o CSLF recebeu e aprovou a versão definitiva da reforma. Pretende-se que seja publicada oficialmente ainda antes do Natal e que entre em vigor nas escolas a partir do Outono de 1991, embora haja a intenção de tolerar a antiga ortografia por mais alguns anos. Tudo leva a crer que, desta vez, a reforma terá destino diferente das que a antecederam neste século. (ENTWISTLE,1974.p14)

Em Portugal e no Brasil, desde quando a língua começou a ser escrita quem escrevia procurava representar fonéticamente os sons da fala. Esta representação nunca foi satisfatória por exemplo, o som do /i/ podia ser representado por i, y e até por h; a nasalidade por m, n ou til, etc. Por outro lado, a ortografia conservou-se em certos  ainda antiquada em relação à evolução da pronúncia das palavras, como leer (ler) e teer (ter). Nos documentos mais antigos o que se observava era uma grafia fonética. “Com o decorrer do tempo, esta simplicidade foi desaparecendo por causa da influência do Latim. Assim começaram a aparecer grafias como fecto(feito), regno (reino), fructo(fruto), etc. Realmente uma das características do Renascimento foi a admiração pelos tempos clássicos e, em particular pelo Latim. Isso consolidou e levou ao extremo a influencia daquela língua na escrita do Português. Daqui resultou o aparecimento inúmeras consoantes duplas, o aparecimento dos grupos ph, ch, th, Rh, que antes praticamente ninguém usava.
No principio do século XIX, Garrett defendia a simplificação ortográfica e criticava a ausência de norma, neste mesmo século proliferaram-se os pretendentes a reformadores da ortografia. Comenta-se que no fim deste século (XIX) a desordem era total. Cada um escrevia como lhe parecia melhor.Em 1911, o governo nomeou uma comissão para estabelecer a ortografia a ser usada nas publicações oficiais, desta comissão fazia parte o foneticista Gonçalves Viana, que já em 1907 apresentara um projeto de ortografia simplificada. Esta reforma, a primeira oficial em Portugal, foi profunda e modificada completamente o aspecto da língua escrita, aproximando-a muito da atual, esta ocorreu sem qualquer acordo com o Brasil. Ao fazer desaparecer muitas consoantes dobradas e os grupos ph, th, rh, etc.
No Brasil da mesma época, a ortografia estava no mesmo estado que Portugal. Pode-se dizer que havia uma unidade...no caos.Em 1924 as duas Academias, portuguesa e brasileira, resolveram procurar uma ortografia comum. O Brasil então deveria tentar se aproximar de Portugal, que na altura, caminhava na frente.
Em 1971, novo acordo entre Portugal e o Brasil aproximou um pouco mais a ortografia do Brasil da de Portugal. Tratou-se de cedência brasileira, mais uma vez. O acordo teve a sorte de ser oficializado sem burburinho. Note-se aqui que, do ponto de vista absoluto, ambas as grafias eram nesta altura perfeitamente razoáveis e sua única desvantagem era apresentarem ainda algumas diferenças. Não fosse isso, seria, de fato, inútil "mexer" mais.
Em 1973, recomeçaram as negociações e, em 1975, as duas Academias mais uma vez chegaram ao acordo, o qual "não foi contudo transformado em lei, pois circunstâncias adversas de várias ordens não permitiram uma consideração pública da matéria" Protocolo de Acordo Ortográfico de 1986.
Em 1986, o Presidente José Sarney tentou resolver o assunto, que há longo tempo se arrastava, e promoveu o encontro dos sete países de língua portuguesa no Rio de Janeiro. Deste encontro, mais uma vez saiu um acordo ortográfico e mais uma vez o acordo não foi por diante, devido a um surpreendente alarido que se levantou em Portugal. Este alarido, longe de ser resultado de defeitos do acordo, deveu-se sobretudo a uma confrangedora ignorância do assunto por parte dos pouco ponderados adversários da união ortográfica. Mas a verdade é que o acordo foi suspenso.
O pior é que se concluiu este ano novo acordo, dito "mais moderado", mas na verdade mais incoerente, e exposto, este sim, a críticas com fundamento. Os responsáveis portugueses pelo Acordo de 1986, que garantia uma unificação quase total da ortografia da língua, cederam aos auto-proclamados donos da Cultura Nacional e, em 1990, produziram um acordo imperfeito, que não unifica, cheio de grafias duplas, defeitos estes que são deslealmente aproveitados pelos detratores que os causaram. É o castigo da demagogia. Enfim, se encarado como transitório, como mais uma pequena dose de mudança sem dor para não assarapantar o profanum vulgum, este mais novo acordo é um passo na direção certa. Este último assinado pelo Presidente Lula e passou a vigorar em 2009.
            O fato é que o Brasil ganhou verdadeira notoriedade e prestígio com o passar dos anos em relação ao idioma falado em um país de mais de 182 milhões de habitantes, por mais que existam variantes e até dialetos, a Língua Portuguesa é unificada nos limites do nosso país. Nossa língua não é totalmente igual a de Portugal, nem no aspecto semântico, nem sintático, nem ortográfico. Ela no máximo se aproxima pela influência da colonização. No entanto, hoje os linguístas dos países que lusófonos, lembramos que são oito, espalhados em quatro continentes, tentam aproximar essa linguagem. Falar em unificação é um tanto pretensioso, pois a língua é mutável, flexível e foge dos padrões estabelecidos pelas academias. Porém, esta tentativa é aceitável e de boa intenção, não podendo deixar que a língua perca sua unidade e essência primordiais. Em breve, quem sabe, as novas gerações terão novos acordos, provavelmente influenciado pela informatização, pela internet e tudo que ela traz com a aproximação dos países.
Referências Bibliográficas
FONSECA, Fernando - O Português entre as línguas do mundo, Livraria Almedina, Coimbra, 1985, p. 326
NUNES, José Joaquim - Compêndio de gramática histórica portuguesa, Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1945, p. 196
CUESTA, Pilar Vasquez - Gramática da língua portuguesa, Edições 70, Lisboa, 1980, p. 338
DINIZ, Moisés. Disponivel em www.aleac.ac.gov.br ,acesso em 24/04/2009.
EDICIONES ITSMO, Madrid, 1974 – Las lenguas de Espana, Ediciones ITSMO, Madrid, 1974, p.14
NUNES, José Joaquim - Compêndio de gramática histórica portuguesa, Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1945, p. 198
CARMO VAZ, Álvaro - Código de escrita, Livros técnicos e científicos, Lisboa, 1983, p. 112
Protocolo de Acordo Ortográfico de 1986
ENTWISTLE, William - Las lenguas de Espana, Ediciones ITSMO, Madrid, 1973, p. 194
CATACH, Nina - Les délires de l'orthographe, Plon, Paris, 1989.
Disponíveis em www.dha.Inec.pt/portugues/paginas_pessoais/MMC, acesso em 24.04.2009.
www.linguaportuguesa.ufrn.br , acesso em 24.04.2009.


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