Gleiciane
Marques de Farias
Desde o período de formação das Línguas,
as sociedades têm tentado tornar a escrita cada vez mais homogênea e comum
àquela comunidade ortográfica. Para tanto foram sendo formulados, durante toda
a história da escrita, acordos ortográficos, todos com o objetivo de tentar
unificar a escrita das palavras, mesmo que estes usuários da língua estejam em
pontos distantes do globo terrestre. Mesmo contra a vontade da maioria dos
gramáticos, lingüistas e da comunidade em geral, temos que receber estas
reformas na língua e utilizá-las em nosso cotidiano principalmente no que diz
respeito língua escrita.Citamos como exemplo a mudança que ocorreu com o
adjetivo gentílico “acreano” (aquele que nasce no estado do Acre) com o acordo
ortográfico de 1990 passou a ser escrito “acriano”, esta alteração causou diversas
contradições e até um estado de revolta por parte da comunidade .Os nativos
dessa região alegam que “acriano, soa esquisito. Somos acreanos há mais de cem
anos, quando decidimos que não éramos bolivianos, e sim brasileiros e
conseguimos a independência. A mudança mexe com as nossas raízes históricas e
culturais”, diz a deputada federal Perpétua Almeida(PCdoB AC), que lidera o
movimento para tentar evitar a mudança. A Academia Acreana de Letras terá de
apresentar recurso à Academia Brasileira de Letras (ABL). A ABL diz considerar
positivas as manifestações como esta do Acre porque estimula o debate sobre
questões relacionadas a Língua. Segundo a assessoria da Academia, “nunca houve
no País uma discussão tão rica e profícua.” Antes do acordo se usava como escrita
padrão acriano ou acreano, era então facultativo, a partir do acordo de 1990
apenas a segunda forma será considerada aceita.
“Dá para compreender o fenômeno morfológico
que ocorre com a palavra Acre. A sílaba tônica é A-cre e, dessa forma, por ser
átono o “e” de Acre, não permanece no radical da palavra derivada, havendo
vogal de ligação –i- para acomodar o radical Acr- ao sufixo –ano: Acriano. O
fenômeno morfológico que determina o gentílico acriano não levou em conta que o
uso consagra a forma” (DINIZ,2009)
O filólogo Evanildo Bechara, titular da
Academia Brasileira , titular da Academia Brasileira de Letras, diz que “Apesar
DAE respeitar nossa resistência cultural, ‘acreano’ com ‘e’ é um erro de
história da Língua, uma espécie de mentira morfológica.” Toda essa discussão só
nos leva a pensar como uma questão lingüística mexe com todo um povo, até mesmo
com aqueles que se dizem alheios. Estas reformas na língua não têm faltado na
historia das principais línguas civilizadas. Percorramos algumas como o
Espanhol e o Francês:
Espanhol. “ A ortografia do Espanhol
medieval é uma descrição fidedigna da língua, tal como ela era falada nos
círculos culturais de Toledo por volta de 1275. Essa representação gráfica
começou a ser defeituosa pelos fins do século XV... [O gramático] Nebrija
[séculos XV e XVI] reafirmou o principio fonético de que a língua de deve
escrever como se pronuncia. Por esta época, os humanistas tinham começado a
insistir na etimologia... Nos séculos XVI e XVII, tendo-se produzido mudanças consideráveis de
pronúncia, a ortografia espanhola apresentava diversas anomalias, o que levou a
Academia da Língua a começar a adotar um controle oficial da Língua no século
XVIII” (ENTWISTLE,1974.p14)
Francês. A ortografia do Francês
tem variado ao longo dos séculos, quase sempre por saltos bruscos. No século
XVI, a escola de Ronsard levou a grande maioria dos escritores a adotar uma
ortografia reformada, despojada das numerosas letras mudas inúteis. Foi nesse
século, no entanto, que Francisco I decretou a célebre regra da concordância do
particípio, por imitação do Italiano (regra, aliás, cuja eliminação está na
mira dos reformadores atuais). A primeira edição do dicionário da Academia, no
século XVII, sob a influência de Corneille, introduziu novas reformas. No
século seguinte, a edição de 1740 do mesmo dicionário dava ortografia nova a
nada menos de 2000 palavras das 3000 que o compunham. A ortografia atual do
Francês fixou-se na forma atual por volta de 1830. A norma foi fixada na 6ª
edição do Dicionário da Academia, de 1836. Desde o princípio deste século,
porém, já em três ocasiões se iniciaram movimentos de reformas ortográficas: em
1901, em 1965 e em 1988. Em 1901, a reforma foi patrocinada por escritores como
Anatole France, Georges Leygues e Ferdinand Brunot e teve um apoio de tal forma
amplo que o Ministério da Instrução chegou a publicar uma portaria com as
mudanças propostas. No entanto, esta portaria acabou por não ser aplicada,
devido à campanha contra a reforma feita pela imprensa. Em 1965, uma comissão
presidida por M. Beslais, ex-Diretor do Ensino Primário, apresentou um
relatório com nova proposta de reforma. Nela, defendiam-se transformações do
tipo. théatre -> téatre /pharmacie -> farmacie,
etc. Este relatório não teve seguimento, embora em 1975 uma nova portaria
determinasse mudanças ortográficas menos ambiciosas. Esta portaria teve a sorte
da do princípio do século, isto é, o total esquecimento. Apesar de
aparentemente continuarem em vigor, ninguém as cumpre. O debate recomeçou em
fins de 1988, desencadeado por uma sondagem na revista do Sindicato Nacional
dos Professores e foi animado por numerosas tomadas de posição e publicação de
artigos e livros. Dentre as tomadas de posição mais relevantes note-se a do
chamado Manifesto dos dez linguistas, publicado em "Le Monde" de
07/02/1989, que defendia a necessidade de uma reforma, e a publicação em fins
de 1989 de três livros sobre o assunto ("Le livre de l'orthographe",
de Bernard Pivot, "Les délires de l'orthographe", de
Nina Catach, e "Que vive l'ortografe!", de Jacques
Leconte e Philippe Cibois). O assunto foi pelo Governo julgado suficientemente
importante para justificar a nomeação, por decreto de 02.06.89, do Conseil
supérieur de la langue française (CSLF), com o objetivo de
"retificar" a ortografia. Em fins de 1989, o Governo encarregou o
CLSF de se pronunciar sobre um certo número de pontos concretos. Ao fim de uma
dezena de reuniões, conseguiu-se um acordo, de que participaram a Bélgica, a
Suíça e o Canadá, acordo que foi aprovado pela Academia Francesa. Em 19.06.90,
foi apresentado o relatório do CSLF, a que se seguiram ainda negociações
informais entre a Academia e os serviços do Primeiro Ministro. Finalmente, em
Outubro passado, o CSLF recebeu e aprovou a versão definitiva da reforma.
Pretende-se que seja publicada oficialmente ainda antes do Natal e que entre em
vigor nas escolas a partir do Outono de 1991, embora haja a intenção de tolerar
a antiga ortografia por mais alguns anos. Tudo leva a crer que, desta vez, a
reforma terá destino diferente das que a antecederam neste século. (ENTWISTLE,1974.p14)
Em Portugal e no Brasil, desde quando a
língua começou a ser escrita quem escrevia procurava representar fonéticamente
os sons da fala. Esta representação nunca foi satisfatória por exemplo, o som
do /i/ podia ser representado por i, y e até por h; a nasalidade por m, n
ou til, etc. Por outro lado, a
ortografia conservou-se em certos ainda
antiquada em relação à evolução da pronúncia das palavras, como leer (ler) e teer (ter). Nos documentos
mais antigos o que se observava era uma grafia fonética. “Com o decorrer do
tempo, esta simplicidade foi desaparecendo por causa da influência do Latim.
Assim começaram a aparecer grafias como fecto(feito),
regno (reino), fructo(fruto), etc. Realmente uma das características do
Renascimento foi a admiração pelos tempos clássicos e, em particular pelo
Latim. Isso consolidou e levou ao extremo a influencia daquela língua na
escrita do Português. Daqui resultou o aparecimento inúmeras consoantes duplas,
o aparecimento dos grupos ph, ch, th,
Rh, que antes praticamente ninguém usava.
No principio do século XIX, Garrett
defendia a simplificação ortográfica e criticava a ausência de norma, neste
mesmo século proliferaram-se os pretendentes a reformadores da ortografia.
Comenta-se que no fim deste século (XIX) a desordem era total. Cada um escrevia
como lhe parecia melhor.Em 1911, o governo nomeou uma comissão para estabelecer
a ortografia a ser usada nas publicações oficiais, desta comissão fazia parte o
foneticista Gonçalves Viana, que já em 1907 apresentara um projeto de
ortografia simplificada. Esta reforma, a primeira oficial em Portugal, foi
profunda e modificada completamente o aspecto da língua escrita, aproximando-a
muito da atual, esta ocorreu sem qualquer acordo com o Brasil. Ao fazer
desaparecer muitas consoantes dobradas e os grupos ph, th, rh, etc.
No Brasil da mesma época, a ortografia
estava no mesmo estado que Portugal. Pode-se dizer que havia uma unidade...no
caos.Em 1924 as duas Academias, portuguesa e brasileira, resolveram procurar
uma ortografia comum. O Brasil então deveria tentar se aproximar de Portugal,
que na altura, caminhava na frente.
Em
1971, novo acordo entre Portugal e o Brasil aproximou um pouco mais a
ortografia do Brasil da de Portugal. Tratou-se de cedência brasileira, mais uma
vez. O acordo teve a sorte de ser oficializado sem burburinho. Note-se aqui
que, do ponto de vista absoluto, ambas as grafias eram nesta altura
perfeitamente razoáveis e sua única desvantagem era apresentarem ainda algumas
diferenças. Não fosse isso, seria, de fato, inútil "mexer" mais.
Em
1973, recomeçaram as negociações e, em 1975, as duas Academias mais uma vez
chegaram ao acordo, o qual "não foi contudo transformado em lei, pois
circunstâncias adversas de várias ordens não permitiram uma consideração
pública da matéria" Protocolo de Acordo Ortográfico de 1986.
Em
1986, o Presidente José Sarney tentou resolver o assunto, que há longo tempo se
arrastava, e promoveu o encontro dos sete países de língua portuguesa no Rio de
Janeiro. Deste encontro, mais uma vez saiu um acordo ortográfico e mais uma vez
o acordo não foi por diante, devido a um surpreendente alarido que se levantou
em Portugal. Este alarido, longe de ser resultado de defeitos do acordo,
deveu-se sobretudo a uma confrangedora ignorância do assunto por parte dos
pouco ponderados adversários da união ortográfica. Mas a verdade é que o acordo
foi suspenso.
O
pior é que se concluiu este ano novo acordo, dito "mais moderado",
mas na verdade mais incoerente, e exposto, este sim, a críticas com fundamento.
Os responsáveis portugueses pelo Acordo de 1986, que garantia uma unificação
quase total da ortografia da língua, cederam aos auto-proclamados donos da Cultura
Nacional e, em 1990, produziram um acordo imperfeito, que não unifica, cheio de
grafias duplas, defeitos estes que são deslealmente aproveitados pelos
detratores que os causaram. É o castigo da demagogia. Enfim, se encarado como
transitório, como mais uma pequena dose de mudança sem dor para não
assarapantar o profanum vulgum, este mais novo acordo é um passo na
direção certa. Este último assinado pelo Presidente Lula e passou a vigorar em
2009.
O fato é que o Brasil ganhou
verdadeira notoriedade e prestígio com o passar dos anos em relação ao idioma
falado em um país de mais de 182 milhões de habitantes, por mais que existam
variantes e até dialetos, a Língua Portuguesa é unificada nos limites do nosso
país. Nossa língua não é totalmente igual a de Portugal, nem no aspecto
semântico, nem sintático, nem ortográfico. Ela no máximo se aproxima pela
influência da colonização. No entanto, hoje os linguístas dos países que
lusófonos, lembramos que são oito, espalhados em quatro continentes, tentam
aproximar essa linguagem. Falar em unificação é um tanto pretensioso, pois a
língua é mutável, flexível e foge dos padrões estabelecidos pelas academias.
Porém, esta tentativa é aceitável e de boa intenção, não podendo deixar que a
língua perca sua unidade e essência primordiais. Em breve, quem sabe, as novas
gerações terão novos acordos, provavelmente influenciado pela informatização,
pela internet e tudo que ela traz com a aproximação dos países.
Referências
Bibliográficas
FONSECA,
Fernando - O Português entre as línguas do mundo, Livraria Almedina,
Coimbra, 1985, p. 326
NUNES, José
Joaquim - Compêndio de gramática histórica portuguesa, Livraria Clássica
Editora, Lisboa, 1945, p. 196
CUESTA,
Pilar Vasquez - Gramática da língua portuguesa, Edições 70, Lisboa,
1980, p. 338
EDICIONES
ITSMO, Madrid, 1974 – Las lenguas de
Espana, Ediciones ITSMO, Madrid, 1974, p.14
NUNES, José
Joaquim - Compêndio de gramática histórica portuguesa, Livraria Clássica
Editora, Lisboa, 1945, p. 198
CARMO VAZ,
Álvaro - Código de escrita, Livros técnicos e científicos, Lisboa, 1983,
p. 112
Protocolo de
Acordo Ortográfico de 1986
ENTWISTLE,
William - Las lenguas de Espana, Ediciones ITSMO, Madrid, 1973, p. 194
CATACH, Nina
- Les délires de l'orthographe, Plon, Paris, 1989.
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